terça-feira, 15 de setembro de 2009

COISAS DURAS E NECESSÁRIAS

Não é fácil ouvir dizer que seu pai está morrendo. Menos fácil ainda é perceber essa situação no dia a dia. Mas é nessa situação em que me encontro. Hoje, mais uma vez ouvi a médica dele dizer isso. Ela me falou que o que meu pai mais precisa nesse momento é do amor e do carinho da família. Ou seja, o que ele precisa nesse momento é morrer com dignidade. É difícil para mim falar essas coisas, mais difícil ainda é escrevê-las. São coisas duras, mas necessárias.

Além do problema renal crônico, meu pai tem uma doença neurológica degenerativa chamada "demência progressiva". Todo mundo pergunta se é Alzheimer. Mas os médicos dizem que não. Pode até não ser, mas os sintomas e efeitos devastadores que ela provoca nos pacientes e em todos aqueles os que o cercam são iguaiszinhos. Pois bem. Quando eu era pequena, ouvia falar que quando ficavam velhas, as pessoas ficavam "caducas", esclerosadas, era comum ouvir dizer "o vovô está broco". Pessoas que esqueciam onde estavam os óculos ou que enfiavam a calça pelos braços e a camisa pelas pernas... Eu achava tudo isso engraçado.

Agora não acho graça nenhuma. Não há graça em conviver com uma pessoa que você aprendeu a amar a vida inteira e de repente, por causa de uma doença, não lhe reconhece mais. Não sabe quem é filho, quem é neto, não reconhece os amigos... Não há graça nenhuma em ver seu pai desaprender a andar, a falar e depender de todo mundo para fazer tarefas básicas como tomar banho, fazer cocô e xixi. Isto nos faz pensar que a mente humana é realmente um mistério e, sem ela não somos nada, ou quase nada.

Isso nos faz refletir também sobre conceitos mais espirituais como as coisas da alma... Para onde vai a alma da pessoa que sofre dessa doença do esquecimento em grau avançado como é o caso do meu pai. O espírito está ali ou em outro lugar? São muitas as questões que assaltam as pessoas que convivem com parentes doentes graves ou terminais. Temas como religião e espiritualidade são inevitáveis... Sempre que toco nesse assunto com algum amigo, sempre escuto alguma doutrina. Cada um com a sua maneira de enxergar a alma, a vida e a morte.

Todos são unânimes em dizer que devemos nos preparar para o momento em que ele se for. Católicos, evangélicos, espíritas, etc. Todos eles dizem que a preparação para a morte é necessária. Mas... quem realmente está preparado para dizer adeus a quem se ama? Meus amigos que são espíritas mais radicais dizem que eu tenho que falar com meu pai que ele pode morrer, se ele quiser. Várias amigas já me instruíram que eu devo até sussurrar isso no ouvido dele, mesmo que ache que ele não está ouvindo. Porque ele está. Mas confesso que embora ache a ideia atraente, não tenho coragem. Isso não é o tipo de coisa que a gente deva fazer só para testar uma tese. Esse é o tipo de coisa que se deve fazer apenas quando se está consciente e segura de que está fazendo o melhor. O certo.

Decidi que não estou preparada para fazer isso. Até porque esta não é a minha fé. A minha fé me diz que, quando for o momento, Deus o chamará e nada o que digamos ou façamos pode impedir ou apressar esta hora. Por isso, continuo fazendo o que posso à minha maneira. Venho vê-lo todos os dias e procuro ficar um pouquinho com ele. Dou beijo, abraço, falo com ele, mesmo sabendo que ele não irá responder ou corresponder.

COISAS INÚTEIS E DESNECESSÁRIAS

Neste momento em que escrevo esse post estou aqui na casa de meus pais. Passei o dia com ele no hospital para onde ele foi pela manhã para fazer uma tomografia computadorizada do cérebro. Quando se enfrenta uma turbulência dessa na vida, a gente às vezes faz coisas sem saber porque está fazendo. No domingo minha mãe tinha me dito que ele iria fazer esse exame hoje. A princípio não questionei. Mas hoje vejo o tamanho da inutilidade dessa verdadeira operação de guerra que se montou para levá-lo ao hospital.

Para quem não sabe, meu pai está em regime de internamento domiciliar, o chamado "home care", que é uma bênção para ele e a família. Entretanto, quando precisa fazer algum procedimento fora de casa é uma verdadeira operação de guerra que envolve ambulância e tudo mais. Me ofereci para acompanhar minha mãe, mas ela disse que não era necessário. Ledo engano. Logo quando chegou ao hospital, viu que não ia poder segurar aquela barra sozinha e tratou de me chamar. Larguei tudo e fui atendê-la. O hospital estava LOTADO, com pessoas mal humoradas (ninguém vai ao hospital a passeio, né?). Aí começou a via sacra porque não se limitaram a fazer apenas a tomografia que estava combinada. Passaram a "escanear" meu pai da cabeça aos pés. Nada de errado, afinal os protocolos existem para serem cumpridos. Mas, no estado em que meu pai se encontra, o que uma tomografia pode dizer que TODO MUNDO não já saiba? Aquela ia ao hospital foi um sofrimento TOTALMENTE desnecessário!

Durante o dia de hoje ele foi examinado por vários especialistas. Alguns deles até disseram que ele tinha que ficar internado. Pra quê? Indaguei. O médico respondeu que ele estava com "o estado de vigília muito baixo e que poderia dormir e não acordar mais". Ou seja, ele disse que ele poderia morrer a qualquer momento. Mas quem de nós não pode morrer a qualquer momento? Agradeci a explicação, mas não me convenci. Tive vontade de perguntar ao médico: "E se ele ficar no hospital ele vai viver?" Mas tive pena do médico, coitado eles devem se sentir tão impotentes diante da morte, um inimigo que eles tanto combatem, mas que sempre vence no final.

ALGUNS AVISOS IMPORTANTES

Sei que a ninguém é dado o direito de saber a hora ou escolher a maneira como vai morrer. Mas, sinceramente se eu puder escolher uma morte para meu pai, gostaria que ele morresse em casa, assistido, cercado do carinho dos parentes e dos amigos. Esta é uma escolha minha. É a morte que eu escolheria para mim. Não gostaria de morrer numa UTI de hospital, toda entubada. Quero morrer na minha casa, no meu quarto, cercada da minha família, ouvindo minhas músicas preferidas...

Se eu perdesse a memória, como meu pai, não gostaria que desistissem de mim. Que me tratassem como uma pessoa inexistente. Não gostaria que falassem coisas que eu não gostaria de ouvir, como se eu não estivesse ali. Eu gostaria que alguém lesse para mim. Que conversassem comigo. Que falassem OI pra mim todos os dias, mesmo que eu não respondesse. Que me dessem muito beijo, abraço e massagem nos pés... é assim que procuro fazer com meu pai.

FUI

11 comentários:

Adriana Goldbaum disse...

Oi Suely...
Entendo sua situação e passei e estou passando por coisas semelhantes...
Por pior que seja você deve saber que estpa fazendo o melhor que pode para ele...
Minha avó faleceu com doença renal e pulmonar... foi muito dificl mas também a tratamos com home care...
E meu avô... marido dela está com Alzheimer... e tem momentos de lucidez que ele percebe claramente sua doença...
Temos que ser fortes!

Suely Temporal disse...

Oi Querida!
É tão saber que outras pessoas entendem nossos dramas. Afinal somos todos seres humanos!
Obrigado por suas palavras!
Beijo!

Unknown disse...

Oi Su,

Tenho aocmpanhado discretamente, através do seu blog, a situação do querido "Quelé" e não consigo ve-lo nesse estado de inanição.

Você está e vai continuar sendo muito forte, porque é esse apoio dos filhos que sustenta D. Nanci.

A vida é assim e isso nós nunca conseguiremos entender... e aceitar...

Um beijo Su e saiba que estarei com você sempre, mesmo a distância, em oração, nesse momento tão doloroso.

Emília Medina disse...

Aproveite cada minuto amiga e faça o seu melhor.
Deus te dê sabedoria.


Te amo, emi

Rosi disse...

Te entendo ...

Fatima Dannemann disse...

Seu belissimo texto me deixou emocionada. Vou pedir aos anjos que lhe dêem força. A você, ao seu pai, sua mãe e todos os familiares. Perdi meu pai aos 16 anos. Vi ele morrer assim ó de repente. Sei que é dificil a separação dos entes queridos. Nem sei o que eu digo. Bom, conte com meu apoio...
acho que isso basta...

Unknown disse...

Suely,
bem que pensei em você, tentei encontrá-la de várias formas e acabei esperando uma hora... Hoje fui ao Shopping Salvador e acabo de chegar e claro que lé pensei em você, naquele dia em que me deixou quase perto do carro e eu me perdi do mesmo jeito. Imagino como deve estar sendo todo esse tempo de sofrimento ... Força e fé para você, um beijo, Nadja

Carlão de Oliveira disse...

Suely:
Faço um trabalho voluntário para o CEMAS (http://ameliasantos.zip.net/), um colégio estadual no Alto do Coroado, local que Deus esqueceu e o Demo abandonou.
Tomei a liberdade de republicar seu texto sem ter a decência de consultá-la. Desculpe e espero que não te chateie.
Força para enfrentar o inevitável e saiba que mesmo distante estou te apoiando minha amiga.
Carlão

Unknown disse...

Amiga Suca, lindo e emocionante depoimento. Me vi em suas palavras ao enfrentar a doença do meu pai, que nos deixou em corpo carnal, aos 52 anos.
Luz, força e muita paz espiritual sempre. beijocas
kardé

Isabel Santos disse...

Coragem, Suely

Esse é um dos caminhos para você e família vivenciar esse momento. Lindo o seu carinho/Amor por seu pai e isso, com certeza, está o ajudando a enfrentar a situação. Não desista, não desanime e tenha fé.

Beijo no seu coração

Isabel Santos

Carla Maynart disse...

Nossa vida é um livro escrito uma pagina de cada vez. Não sabemos quando, onde ou o porquê de nossa volta ao Lar Celestial. Sabe, Sueli, vc tem feito o melhor e isso sim é relevante para vc e para seu pai. O AMOR é indelével e incondicional. Ame-o sempre.